Eu só leio consistentemente três pessoas no Substack: a Laurinha Lero, a Clara Browne e a Isabela Thomé. Da Laurinha eu já falei até demais, nessa altura do campeonato ela é tipo uma santa padroeira pra mim, ou uma prima mais velha que eu acho diva e maneiríssima, mas cuja vida eu não invejo por achar que ela é levemente psiquiátrica. A Clara Browne tem um pique mais acadêmico, apesar de manter uma linguagem bem descontraída, e fala sobre a maluquice absoluta que é a nossa existência social na esfera da internet, além de, é claro, ser usuária de Tumblr. E a Isabela Thomé fala de tudo que é pode ser considerado nichado ou esquisito. Gêneros musicais conhecidos por 6 pessoas, produtos alimentícios descontinuados, desenhos que você esqueceu que passavam na TV, times da série C.
Pois bem, nessa semana a Isabela publicou uma newsletter com 250 (excelentes) ideias pra textos, e eu pensei: que maneiro, vou fazer esse exercício de escrita no blog nessa semana. Já tava querendo variar de vez em quando o formato mesmo, então vou sortear 5 ou 10 temas da Isabela e escrever sobre eles rapidamente, no mesmo estilo associação livre/o-que-me-der-na-telha que eu uso pra falar das imagens normalmente. Ideia boa, né? Pois é.
De qualquer forma, não importa. Vamos então ao sorteio. Me dou o direito a um veto se eu não gostar do tema que for sorteado.
51 - Quais ossos você gostaria de quebrar?
Sempre tem aquele momento em mesa de bar em que todo mundo começa a falar sobre a vez que abriu o queixo, tomou ponto no supercílio, quebrou a perna, o braço, a clavícula, etc. A galera sempre quer competir pra ver quem foi a criança mais merdeira ou com a história mais escabrosa. Só que a parada é: grande merda que você atravessou uma porta de vidro correndo quando tinha 5 anos, com essa idade ninguém tem uma noção básica de que integridade física é uma coisa a ser preservada. Você se sente o Super-Homem, mal testou os limites direito ainda pra saber o que pode e o que não pode, o que dá e o que não dá. É tipo você fazer a mesma coisa hoje em dia depois de cheirar pó. Eu nunca vi muita graça nesse tipo de conversa, porque parece um monte de menininho de prédio que nunca passou por uma situação realmente perigosa na vida fazendo cosplay daquelas cenas de filme de guerra em que os soldados véios ficam comparando cicatrizes e contando histórias de batalhas. Alternativamente, eu também nunca vi muita graça nesse tipo de conversa porque eu nunca quebrei osso nenhum. Nem nunca tive que levar ponto. Criança chata pra caralho, comportada demais. Daí a minha resposta pra pergunta quais ossos você gostaria de quebrar, de primeira, seria nenhum, mas depois de alguma consideração, eu acho que eu gostaria de ser incluída nas conversas de menininho de prédio — sendo inclusive eu mesma uma expoente deste grupo —, então acho que eu escolho o rádio do braço esquerdo. Não me atrapalharia a escrever, e ainda por cima teria um daqueles gessos grandes que geral poderia assinar e escrever, o que era um grande sinal de status se você frequentou a escola nos anos 2000.
115 - As coisas que o seu gato já quebrou
Eu não tenho gato, nem nunca tive. Eu não gosto da ideia de ter animais de estimação, que é uma forma de falar sobre isso mais simpática e mais explicativa do que a frase que eu geralmente falo — eu não gosto de bicho —, e que faz eu parecer uma grande escrota. Enfim, eu não tenho gato. Próxima.
171 - A primeira música indie que você escutou
Essa é bem difícil. Muita gente tem aquelas histórias de viver num mundo em que só o que tocava no rádio existia, até conhecer algum nicho secreto da internet e ser apresentado às mil possibilidades do que música pode ser, etc etc. Tudo bem que música indie, apesar do nome, não é nada muito fora do mainstream, mas na minha época era coisa de alternativo. De qualquer forma, minha história não é essa. Meu pai — e quem me conhece já me ouviu falar disso um milhão de vezes — gosta muito de música. Ele sempre gostou de ouvir coisas novas, saber o que tava rolando de interessante em diversas cenas diferentes, e acompanhava, em certa medida, alguns mundinhos undergrounds. Juntando isso ao fato de que a minha mãe sempre foi muito fã de Los Hermanos (especialmente do Marcelo Camelo, por alguma razão), eu não faço a menor ideia de qual é a primeira música indie que eu escutei. Eu devia ter uns 3 anos, ou menos. Sei lá. Tenho memórias fortes de escutar o Ventura (excelente álbum que defenderei até a morte) em viagens de carro, e muito White Stripes também. Lembro também que meu pai sempre cismava com músicas específicas, e elas ficavam semanas tocando repetido no carro dele e enquanto ele tomava banho. Aconteceu, por exemplo, com A-Punk, do Vampire Weekend, que eu adoro até hoje. Além disso, foi ele também que me levou num show do Franz Ferdinand, quando eu tinha 15 anos (uma vez lá eu fingi que não o conhecia…); e quando ele e minha mãe se separaram por um tempo, ele ficava melancólico ouvindo várias do Arctic Monkeys. Eu não consigo mais ouvir 505 sem sentir um cringe terrível por causa disso. Semana passada mesmo ele foi pra São Paulo pra ver o C6 Fest, porque ele gosta de Fontaines D.C. Honestamente, ele tá mais atualizado na cena do que eu. Eu só agradeço dele nunca ter tido nenhum interesse em me acompanhar nas festinhas que eu ia na Casa da Matriz, aí já ia ser demais.
245 - O melhor programa do History Channel
Provavelmente o único programa do History Channel que eu já vi um episódio inteiro foi Alienígenas do Passado, então pra responder essa pergunta eu tive que dar uma pesquisada na internet sobre qual é a grade atual do canal. Dá pra resumir em: nazismo, alienígenas e “relíquias", como se a gente batesse todos os filmes do Indiana Jones num liquidificador. E assim, nada contra esses assuntos (eu já tava me preparando pra escrever “nada contra alienígenas, nazismo e relíquias” e eu queria deixar bem claro que eu sou extremamente contra o nazismo), mas o jeito que o HC explora eles é tosco, mal escrito, mal produzido e meio racista. Então vou ter que ser chata e responder: nenhum. Se estamos falando de TV por assinatura decadente, é melhor colocar no Investigação Discovery ou no E!.
47 - Uma cronologia de todos os celulares que você já teve
Aaaah, a nostalgia. Eu tive meu primeiro celular com 10 anos de idade, quando eu fui numa viagem da escola. Ele era pré-pago, abre-e-fecha e vermelhinho. A coisa mais fofa do mundo. Se hoje em dia quase todos os meus objetos e acessórios são vermelhos, eu atribuo isso primeiramente a esse celular, e apenas em segundo lugar ao filme Submarine. Depois eu não lembro muito bem da sequência, mas eu perdi uns 2 celulares no cinema entre meus 11 e 14 anos, e por isso até hoje, aos 27, meus pais ainda falam que “A Fernanda é muito esquecida". Tive uma época de glória em que eu ganhei o Motorola V3 Roxo usado da minha mãe e me senti a mulher mais poderosa do mundo do alto dos meus 12 anos — a única sensação que chegou perto foi quando eu fui ao shopping sozinha pela primeira vez e comprei escondida um sutiã push-up na Renner. Quando eu tinha uns 14 ou 15, tive também um celular com um teclado QWERTY pela primeira vez, e eu achei que aquele tinha sido o maior upgrade em termos de celular que eu já tinha tido em toda a minha vida, apesar de nessa época metade dos meus amigos já ter smartphones. Só fui chegar a ter um celular com acesso à internet na virada do segundo pro terceiro ano do Ensino Médio, e aí tudo foi pros caralhos. Demorou exatamente uma semana pra eu ficar colada no celular o tempo inteiro, viciada em WhatsApp. Desde aquele dia, provavelmente não se passou um dia da minha vida em que eu não tenha checado esse aplicativo maldito. E assim, a partir daí, não tem mais graça nem charme nenhum a sequência de celulares que eu tive, então vamos acabar por aí. Antes era um acessório charmoso, um objeto de design funcional e criativo. Hoje em dia é a porra do Um Anel. Eu não quero ficar falando sobre isso.
130 - O pior desenho animado da sua infância
Existe um tipo específico de desenho animado que sempre me incomodou profundamente. Existiam vários no Cartoon Network e alguns na Nickelodeon, no início do anos 2000, quando eu era criança demais pra entender o que eu tava vendo, mas via mesmo assim. Desenhos como Cat Dog, Rocco, A Vaca e o Frango, Eu Sou o Máximo, Johnny Bravo, etc. Eram desenhos completamente absurdos, e me despertavam um incômodo profundo, que antes eu não sabia explicar, mas hoje eu acho que sei. Não eram desenhos feitos pra crianças. Eram desenhos feitos por caras de 20 e tantos anos completamente chapados que faziam o que eles achavam que era engraçado pra eles, obedecendo, claro, algumas regras de classificação indicativa. E tem gente da minha idade que ama esses desenhos e lembra deles com muito carinho, mas eu não. Lembro de achar que eles tinham um fundo meio angustiante pra mim, meio triste, meio desesperador. Acho que é porque eles tinham uma coisa um pouco cínica no humor deles, característica do humor dos anos 90/00, mas, novamente, não caia bem pra criança. Além disso eu conseguia sacar que tinham piadas e alusões ali que eu não estava entendendo, mas que estavam ali, e que diziam respeito a coisas que não eram de criança. Sem contar que o traço e a animação eram super perturbadores às vezes. Sei lá, até hoje eu fico incomodada lembrando. E tem um pesadelo muito icônico da minha infância envolvendo o Bumdefora da Vaca e o Frango, que aliás era um personagem muito sexualmente carregado e que me deixava completamente apavorada. Eu não sei se era algum animador processando algum trauma de infância, mas era pesado pra caralho. Enfim. Me deixou meio traumatizada.
116 - Seus tipos de macarrão preferidos
Não existe um tipo de macarrão ideal pra qualquer situação, é muito molho-dependente. Pra sopas, macarrões pequeninos, tipo o Padre Nosso. Pra molhos mais leves e lisos, espaguete. Pesto tem que ser com penne, e salada de macarrão, com parafuso. São simplesmente as regras. E quanto mais pedaçudo o molho, mais elaborado o formato do macarrão tem que ser, pra ele poder capturar pedaços do molho durante a garfada. Tirando isso, é um país livre.
77 - A sua experiência jogando Balatro
Eu juro por tudo que é mais sagrado que isso foi um tema sorteado aleatoriamente, mas é um prato cheio pra mim. Pra quem não conhece, Balatro é um jogo de construção de baralho em que você joga pôquer e vai montando o seu deck com cartas especiais, curingas que mexem com a dinâmica do jogo de vários jeitos diferentes, e outros tipos de carta que alteram o jogo de outras formas. É o tipo de coisa que só jogando pra saber mesmo. Mas enfim, o João, meu namorado, baixou esse jogo, e eu comecei a jogar de vez em quando na casa dele. E fiquei completamente viciada. Já passei tardes inteiras jogando Balatro, vendo vídeos sobre as melhores combinações de curingas, e já até sonhei com Balatro quando tava no ápice do meu vício. A questão é que eu não tenho esse jogo no meu computador, eu preciso ir pra casa do João jogar. E comecei a perceber que eu tinha que maneirar um pouco quando eu chegava na casa dele e a primeira coisa que eu queria fazer era ir jogar. Sem oi, sem conversa sobre como foi seu dia, sem um beijinho. Temerário, né? Mas isso também quer dizer que eu não tenho a experiência de jogar esse jogo sozinha. Muito pelo contrário, eu sempre jogo com alguém dando palpite do meu lado, e eu desconfio que seja muito mais chato jogar sozinho. É uma experiência social, e na verdade é todo um clima que se instaura. Balatro tem uma excelente trilha sonora. É uma mesma música em loop, mas é uma música meio hipnótica de cassino que vai te envolvendo, te deixando no clima do jogo, te tirando do resto da realidade. Os visuais são incríveis também. Quando eu vejo, tá eu e João de mão dada depois de eu jogar um flush na última hand, nervosos pra ver se vai dar pra superar o Boss Blind. Joga pra ver, confia. É foda.
215 - As melhores coisas que você já encontrou em um brechó
A primeira coisa que veio na minha cabeça foi um vestido preto colado de manga curta e gola rolê que era babado. Eu ficava muito gostosa com ele. Uma amiga minha apelidou de meu vestido de Kim Kardashian, e em 2017 essa era uma referência ultra relevante. O problema é que eu era muito ruinzinha de styling, então eu olho as fotos da época e fico com dó, porque eu sei que eu faria coisa melhor com ele hoje em dia do que usar junto com um tênis de lona estampado da Redley. Isso foi na época em que eu ia muito em brechó, e quase metade do meu guarda-roupa tinha essa origem. Outros itens queridíssimos eram uma blusa de lurex verde com decote ombro a ombro e uma saia transpassada vermelha com detalhes bordados que infelizmente estava dentro de uma bolsa minha que foi furtada na praia. O pior de ser roubada são esses itens insubstituíveis: carteiras, bolsas, gloss, chaveiros, roupas… Identidade eu tiro outra. Voltando pras roupas de brechó, tem toda uma outra categoria separada que são as roupas de brechós da gringa. Eu não vou fazer o disclaimer de burguesinha aqui, ele já foi feito antes. Considerando os brechós da gringa, os tesouros são ainda maiores: uma jaqueta jeans justinha da Levis de lavagem clara com bolsos internos, uma saia quadriculada plissada de tweed e principalmente um vestido em crepe, preto florido com decote nas costas, que eu achei em um brechó em Paris. Ele era meu grande xodó. Eu usei tanto esse vestido, mas tanto, que um dia ele teve um fim trágico. Eu estava em um metrô lotado, fui me espremer entre a multidão pra sair, e o vestido agarrou no zíper da bolsa de alguém e rasgou. Na bunda. Exatamente e inequivocamente na bunda. Eu não estava voltando de lugar nenhum, eu estava indo. Então eu assisti meu amigo Pedro se apresentar com a banda da UERJ com um casaco amarrado na cintura a noite inteira. E adeus pro vestido.
12 - Reescreva Água Viva, de Clarice Lispector, usando suas próprias palavras
As coisas são muito terríveis e muito belas. Estou com tesão.
E com isso me despeço! Leiam a Isabela, ela é muito foda. Se quiserem, podem seguir me lendo também. Só meter o e-mail aqui embaixo.